Chester cometeu suicídio no aniversário de Chris Cornell. Quando tais tragédias, seriados e “jogos” arriscam glamourizar o suicídio, precisamos enfrentar a questão.
O corpo de Chester Bennington foi descoberto em sua casa às nove da manhã desta quarta. O vocalista do Linkin Park enforcou-se ou na noite do dia 19 de julho ou na madrugada do dia 20. Nessa última hipótese, Chester decidiu se matar no aniversário de seu grande amigo Chris Cornell, que também cometeu suicídio há só dois meses. Chris, curiosamente, também se enforcou.
Aos 41 anos, Chester era um artista bem sucedido, músico admirado por uma legião de fãs, de talento reconhecido por seus pares, casado e com seis filhos. Apesar de ter conquistado muitas das metas de nossa sociedade, Chester julgou, por algum motivo, que sua vida não era digna de ser vivida. O mesmo pode ser dito de Chris Cornell, vocalista de duas bandas que deixaram sua marca na história do rock, casado e pai de três filhos, músico com uma carreira ambicionada por muitos colegas de profissão. Para ele, de alguma forma, tudo o que havia conseguido não lhe trazia qualquer razão para viver.
Chester e Chris não eram apenas amigos, mas também parceiros musicais. Quando soube da morte de seu amigo, Chester escreveu uma carta de despedida. Na carta, ele cita as músicas Rocky Raccoon e A Day in the Life dos Beatles e um sonho que teve com a banda britânica na noite em que o amigo se matou.
Tratam-se de duas músicas curiosas, e como os dois artistas, têm pontos em comum. Foi enquanto escutava A Day in the Life que o escritor Philip K. Dick (autor do conto que inspirou Blade Runner e de livros como O Homem do Castelo Alto) teve a célebre alucinação em que se viu como um cristão da antiguidade sendo conduzido pelos romanos a fim de que fosse devorado por leões, alucinação que inaugurou uma série de outras perturbações mentais que muitas vezes ele e seus amigos e leitores consideravam, na verdade, uma espécie de revelação mística. A última parte da letra traz um koan zen, sobre quantos buracos são necessários para preencher um espaço. Já Rocky Raccoon, como conta Paul McCartney, foi inspirada no poema The Lion and Albert, em que uma mãe exortada a ter filhos pergunta, de jeito pessimista, “qual o sentido de ter filhos para que sejam devorados por leões?”
Mas isso são meras coincidências. O suicídio de dois artistas que são referência para sua geração é o fato que importa, o fato que deve nos preocupar. Estamos em uma época em que, com o suicídio de artistas como Chester Bennington, Chris Cornell, David Foster Wallace e Kurt Cobain, esse ato absurdo e injustificável tende a ser romantizado, erroneamente, por uma legião de admiradores.
A isso vem se juntar séries de TV que, também equivocadamente, glamourizam o suicídio, como 13 Reasons Why. E se isso não fosse o bastante, surgem “jogos” como o Baleia Azul, que estimulam e gameficam o suicídio de jovens que não encontram ajuda em uma sociedade que está, ela mesma, bastante perdida a ponto de oportunizar esse tipo de coisa. Só no Brasil, a taxa de suicídios nos últimos anos subiu de forma alarmante.
A morte é um assunto tabu em nossa sociedade. Ninguém gosta de falar sobre esse tema. E falar da morte voluntária é o tabu elevado à segunda potência. Mas esse silêncio acovardado da sociedade apenas reforça e permite a disseminação de um grande mal. O suicídio não é um papo que deve ser limitado à opinião de especialistas, e muito menos um problema que deve ser deixado aos cuidados de medicamentos. Esse é um assunto sobre o qual todos precisamos falar, sem intimidações.
Quando dois artistas célebres e admirados se suicidam em intervalo tão curto e em circunstâncias que nos levam a pensar que de alguma forma o ato do primeiro foi um dos fatores que impulsionou o ato do segundo, quando seriados de TV e “jogos” estimulam, voluntariamente ou não, o suicídio de pessoas emocionalmente fragilizadas, é chegada a hora de todos nos perguntarmos: o que está havendo? o que deixamos de ouvir e o que deixamos de dizer, enquanto comunidade, a essas pessoas?
A tempos são os jovens que adoecem, e uma sociedade em que a doença da alma leva artistas talentosos e jovens perdidos ao suicídio pode ser considerada ela própria doente.
Leia a carta de despedida escrita por Chester a Chris Cornell a seguir:
“Sonhei com os Beatles ontem à noite. Acordei com Rocky Raccoon tocando na minha cabeça e um olhar preocupado do rosto da minha esposa. Ela me disse que meu amigo acabara de falecer. Pensamentos sobre você inundaram minha mente e chorei. Ainda estou chorando, com tristeza, bem como com gratidão por ter compartilhado momentos muito especiais com você e sua bela família. Você me inspirou de maneiras que você jamais poderia imaginar. Seu talento era puro e incomparável. Sua voz era alegria e dor, raiva e perdão, amor e mágoa unidas em uma só coisa. Suponho que seja o que todos nós somos. Você me ajudou a entender isso. Acabei de ver um vídeo de você cantando “A Day In The Life” pelos Beatles e pensei em meu sonho. Gostaria de pensar que você estava dizendo adeus à sua maneira. Não consigo imaginar um mundo sem você nele. Peço-lhe que encontre paz na próxima vida. Eu envio meu amor para sua esposa e filhos, amigos e familiares.
Obrigado por me permitir fazer parte de sua vida.
Com todo o meu amor.
Seu amigo,
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