Por RFI
Quem nunca dormiu mal ou teve dor de barriga antes de algum evento importante? O neurocientista franco-português Henrique Sequeira, especialista dos efeitos biológicos das emoções em nossa saúde, explica o porquê.
A brasileira Carolina Copetti, 30 anos, que faz mestrado em Sociologia na França, lembra como se fosse hoje. Em 2010, ela estava se formando em Ciências Sociais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e tinha uma reunião com sua orientadora para discutir o tema de seu Trabalho de Conclusão de Curso. “Aquilo ficou me remoendo durante muitos dias, era uma conversa importante. Tive insônia porque era muito difícil conseguir desligar o cérebro”, conta.
Carolina diz que essa insônia, paradoxalmente, foi a solução para seu problema. Entre noites mal dormidas, a estudante acabou achando seu tema de pesquisa, que foi aprovado pela orientadora. “É engraçado sonhar com uma discussão teórica, mas foi o que aconteceu. Acabou sendo um evento positivo porque definiu minha vida profissional pelos próximos anos”, diz.
A atriz francesa Mélanie Martinez-Llense, em cartaz com o espetáculo “Berk Plage”, em Montreuil, perto de Paris, conta que subir no palco sempre causa sofrimento. Entre os sintomas, ela descreve suor e taquicardia. “É uma aceleração de todo meu metabolismo. Suor, salivação…aliás, nos primeiros momentos no palco, eu sou muito rápida nos gestos e na maneira de falar. Tudo se acelera”, descreve. “É o nosso ego que está sendo ameaçado. Temos medo do julgamento dos outros”, conclui Mélanie. Apesar dos sintomas desagradáveis, ela lembra que existe “uma recompensa com os aplausos e a reação da plateia”.
O neurocientista franco-português Henrique Sequeira coordena um laboratório dedicado ao estudo das emoções na universidade de Lille, no norte da França. Suas pesquisas incluem a análise do impacto das emoções no corpo, sejam negativas ou positivas, como as vivenciadas por Carolina ou Mélanie. “O interesse desse tipo de emoção é preparar o indivíduo a enfrentar o que vem pela frente. É desconfortável, mas há efeitos posteriores potencialmente positivos”, explica. Como se o prazer “apagasse” os efeitos corporais negativos. Tudo faz parte, ressalta, de um processo individual de regulação emocional.
A equipe do neurocientista estuda, entre outros temas, os efeitos no sono das emoções boas ou ruins vivenciadas durante o dia. Um dos estudos, publicados em 2015, foi feito em parcerias com instituições japonesas. Para isso, os pesquisadores exibiram filmes com cenas agradáveis, desagradáveis e “neutras” a um grupo de 12 pessoas, antes de dormir.
Em seguida, eles gravaram as ondas cerebrais dos pacientes durante oito horas. No total, a equipe registrou 120 noites. A conclusão diz Sequeira, é que o a estrutura do sono foi modificada. “O que mudou, principalmente, foi a fase do sono conhecida como paradoxal, quando ocorrem os sonhos. Ela foi modificada pela estimulação emocional” explica.
Os pacientes que assistiram a um filme violento, por exemplo, só mergulharam no sono profundo na segunda parte da noite, como se o cérebro tivesse “esperado” para relaxar completamente e se desconectar do mundo exterior. Já cenas relaxantes contribuíram para um sono de melhor qualidade.
Interface entre cérebro-corpo
Como as emoções influenciam fisiologicamente o organismo? “Não há emoções sem impacto no corpo. O que é preciso compreender é que elas funcionam como uma interface entre o cérebro e o corpo. Quando sentimos uma emoção, positiva ou negativa, isso nunca será insignificante para o organismo”, resume o neurocientista.
As reações podem ser hormonais, viscerais ou cardiovasculares, respiratórias, de temperatura e gástricas. Há também modificações no sistema imunológico, que pode melhorar ou sofrer uma baixa em função das emoções ressentidas. “Hoje podemos separar a influência das emoções positivas e das negativas”, diz o pesquisador. “Em relação à saúde física, temos muitos dados, e em relação às modificações que hoje já estão bem demonstradas, há as cardiovasculares – as emoções negativas vão gerar hipertensão e arritmias cardíacas, por exemplo.” O pesquisador também cita a asma, as dores nas articulações ou as doenças gastrointestinais.
Ele também lembra a importância da ação dos corticosteroides, produzidos pelas glândulas suprarrenais, secretado quando o indivíduo se sente acuado, ou bloqueado em uma situação. Esse grupo de substâncias afeta a produção de outros hormônios capazes de aumentar a tensão arterial e alterar o metabolismo do açúcar, criando uma predisposição ao diabetes.
Entre eles está o cortisol, conhecido como o hormônio do stress. “O cortisol vai modificar, por exemplo, a produção de citocinas, substâncias que pertencem ao sistema imunológico, enfraquecendo as defesas. Isso faz com que o indivíduo fique doente com mais frequência”, explica.
Visualizando soluções para proteger o corpo
O que é interessante, afirma o neurocientista, é perceber que o corpo atua em função do que se passa na cabeça da pessoa. Seja qual for a dificuldade da situação, se o indivíduo é capaz de elaborar uma alternativa ou de visualizar uma solução para o problema, os hormônios não serão mobilizados e não atuarão da mesma forma no organismo. Quando existe submissão a um contexto desfavorável, por exemplo, os corticosteroides vão destruir a saúde.
“A maioria das pessoas não fica doente por acaso”, diz Henrique Sequeira. Um estudo sueco, diz, avaliou durante cinco anos os eventos estressantes em um grupo de pacientes e a incidência que isso teria na saúde deles 12 anos depois. O resultado é que o stress vivenciado é proporcional à incidência de doenças cardiovasculares. Por outro lado, as emoções positivas, como o otimismo, a auto-estima e a resiliência, têm efeitos benéficos. Como diz o pesquisador, não ignore as emoções: aprenda a enfrentá-las.
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O que este cientista anuncia em seu trabalho, a sabedoria popular já nos ensina há séculos na prática: as emoções é que determinam o tom da nossa vida. Controlar as emoções, muitas vezes, pode se tornar uma questão de sobrevivência e longa vida…
JP em 07.05.2019