Só quem é santo se salvará nesse mundo?
Certamente que não, porque nem os santos da Igreja foram totalmente santos, totalmente puros.
Eles também tinham dúvidas, fraquezas, pecados. Mas a diferença entre eles e o povo comum é que tentavam dar o seu melhor a Deus, como aquela viúva que deu de esmola duas moedas, que era tudo o que tinha.
Temos que dar a Deus tudo o que pudermos dar, sem reservas, e quanto às fraquezas que não conseguimos vencer, a oração está aí para isso, para que possamos entregar nossos pontos fracos a Deus, e Ele transformará em força.
Se o próprio Cristo anunciou que a carne era fraca (embora o espírito estivesse pronto) e se ele mesmo, se sentindo abandonado na cruz, questionou a presença de Deus Pai em seu sofrimento, o que pensar da humanidade tão fraca, vendida ao pecado e, para piorar, cercada de armadilhas do Inferno por todos os lados?
Claro que Deus sabe dar proporção a tudo. Mas que nosso coração não o aborde com desonestidade e fingimento, tentando esconder de sua visão a própria fraqueza e extensão do pecado. Esse jogo não funciona com o Pai, e só complica a nossa vida.
Muitas vezes nos baseamos nos modelos daqueles santos da Igreja, e nos esquecemos que, por trás de toda aquela iconografia que a Igreja Católica colocou sobre eles, haviam humanos em busca de perfeição, cheios de fraquezas morais e carnais, dúvidas e períodos de crise moral e falta de fé.
Talvez toda essa alegoria de santidade imaculada que a Igreja projeta naqueles santos (com exceção da Virgem Maria, que realmente alcançou uma nota elevada de santidade e caráter espiritual) não faça bem ao sistema de crenças das pessoas, que pensam estar diante de deuses inalcançáveis, cujo exemplo jamais alcançarão em suas vidas.
O que aqueles humanos em busca de perfeição realmente tinham era a vontade de agradar ao Pai em primeiro lugar, não exatamente a vontade de serem salvos (o que acontece como consequência). Nem que para isso sacrificassem trabalho, família, amor pessoal.
Porque se o seu trabalho lhe impede de chegar a Deus, ou a sua família lhe impede de chegar a Deus, ou o seu corpo e os seus próprios membros a serviço do pecado lhe impedem de chegar a Deus, bem, estas coisas precisam ser avaliadas profundamente, de modo a que você se pergunte:
“onde eu errei para que as coisas chegassem a este ponto?”
Encontrar essa resposta e entregar ao Pai em oração costuma ser a fórmula mágica da conversão em seu coração, que não virá da sua força pessoal, mas da força do Espírito Santo sobre você, porque o poder de Deus se manifesta pelo seu Espírito Santo, que ele concede ou não à quem lhe solicita em oração, donde então virá a força que nos falta para seguirmos em busca do segundo nascimento nesta vida.
Almejar a salvação não é o caminho real da santificação, porque coloca um sentimento egoísta entre o filho e o Pai, à quem ele apela.
Almejar a santificação, sim, esse é o caminho. Deus sabe das fraquezas carnais herdadas pela humanidade desde a queda dos primeiros seres humanos, nossos pais ancestrais. E entende que o mundo inteiro se tornou uma armadilha para quem busca uma vida reta, digna e honesta.
Neste mundo cercado de injustiças, almejemos a justiça. E que a imoralidade, a mentira e o materialismo dos outros nos estimulem a buscar, cada vez mais, a castidade, a verdade e o desapego.
Não se trata de julgar o erro dos outros, mas de desenvolver o discernimento entre o bem e o mal, sem o qual não pode existir consciência de nada.
Saber a diferença entre o que é certo e o que é errado nos leva à sabedoria, que se torna um instrumento fundamental na busca pela perfeição de corpo e alma diante dos caminhos do Pai.
Mas faço saber que algumas posturas são detestáveis aos olhos do Pai, como a mentira, a depravação, a astúcia, o orgulho, o ódio, a inveja, a malícia, a intriga, a calúnia, a soberba, a mesquinharia e a hipocrisia.
Dificilmente seremos atendidos, sequer ouvidos em oração, se estes padrões de comportamento não forem com urgência modificados.
Mas uma vez que o Senhor Deus apresentou o seu Filho ao mundo, e nos convidou ao contrato da oração, temos sim instrumentos para usar em busca de mais força, proteção e orientação.
O problema é uma certa hipocrisia de caráter, que realmente leva a pessoa a burlar seus compromissos espirituais, não se sacrificando como deveria pelas questões do Pai, mas se sacrificando e muito por outras coisas, como trabalho, dinheiro, cuidado com a aparência do corpo, etc.
Antes de tentarmos justificar as nossas fraquezas diante de Deus, precisamos realmente investigar se estamos dando o nosso melhor para Deus, buscando-o em primeiro, porque o que geralmente acontece é que Ele vem depois de outros itens na nossa lista diária de prioridades e afazeres.
Está escrito que Cristo veio ao mundo exatamente para suprir nossas deficiências físicas e espirituais, e uma das dádivas da oração é que podemos solicitar esse suprimento todo o tempo, desde que apresentemos ao Pai as nossas confissões honestas ao invés de tentar atirar para debaixo do tapete os nossos erros, agindo assim com hipocrisia – como se o Pai desconhecesse nossas reais intenções do coração.
Existe outra questão muito importante, a questão do perdão. Muitas de nossas faltas podem ser perdoadas se chegarmos ao arrependimento sincero delas. Mas como Deus nos perdoará se não conseguimos perdoar a falta cometida pelo nosso semelhante?
Se não conseguimos perdoar os outros, Deus não poderá nos perdoar pelo simples motivo de que também não conseguiremos NOS perdoar!
E quem não se perdoa, vive debaixo de conflito, e esse conflito cria ruptura entre sua alma e o Senhor no ato da oração.
Portanto, dar o nosso melhor, e dar primeiro a Deus, eis o começo da salvação.
A santificação vem por efeito de um coração transformado, e a salvação, como consequência de tudo isso.
Mas como alguém pode mudar seu coração se não consegue se arrepender de determinada falta ou pecado?
E como alguém poderá se arrepender de determinada falta ou pecado se não enxerga isso em si mesmo, tombando cego diante de um orgulho travestido em seu caráter?
Eu diria que a fé depende muito da nossa honestidade pessoal, mas a pessoa que tenta conviver com um determinado pecado porque não encontra forças para se libertar dele, viverá debaixo de conflito, e um coração dividido não terá condições nem de orar e nem de manter a sua fé por muito tempo.
Não confiará em Deus porque nem nela mesma, confia.
Portanto, os santos das Escrituras não foram almas totalmente puras ou isentas de pecado. Foram almas que realmente colocaram tudo em Deus e fizeram dessa busca a sua prioridade de vida.
Muitos tiveram sua vida material e familiar, mas isso não os impediu de amar a Deus acima de todas as coisas, como Ele mesmo nos pediu em seu primeiro e mais importante mandamento da Lei.
Então, se você é inteiramente honesto com o Pai e procura-o em todas as situações de sua vida com franqueza, humildade e pureza de intenções, não há porque temer a falta de força para lutar.
Porque a salvação é questão de luta contínua contra o mal lá fora e, principalmente, o mal de dentro.
A menos que você esteja esperando um Messias descer do céu numa nuvem e levar você confortavelmente para o Paraíso sem a menor luta e sacrifício de sua parte.
Então, estará esperando por um Messias que não existe.
JP em 17.05.2024