Ciência

Descoberta de ossos muda a história sobre o Homo sapiens como a conhecemos

Fósseis de Homo sapiens encontrados em Marrocos têm 100 mil anos a mais do que o imaginado para a nossa espécie.

20170608072808316848i
Abdelouahed Ben-Nce e Jean-Jacques Hublin mostram os ossos mais antigos da espécie.

Somos mais antigos do que o imaginado. Ao menos 100 mil anos acabam de entrar na conta do homem moderno. Fósseis descobertos em um sítio arqueológico no Marrocos revelam que o Homo sapiens existe, na verdade, há 300 mil anos. E nessa época, já havia indivíduos bem parecidos com o homem atual.  “O rosto de um desses primeiros Homo sapiens é (igual) ao de qualquer pessoa com a qual poderíamos cruzar no metrô”, garante Jean-Jacques Hublin, diretor do Departamento de Evolução Humana do Instituto Max Planck em Leipzig, na Alemanha. A caixa craniana, porém, ainda era alongada, indicando que as funções cerebrais evoluíram posteriormente.

Segundo o pesquisador francês, os fósseis achados em Jebel Irhoud, no Marrocos, são pelo menos 100 mil anos mais velhos que ossos encontrados em Omo Kibish, na Etiópia, que, até então, eram considerados as mais antigas evidências da espécie humana. “A nova descoberta representa a origem da nossa espécie, trata-se do Homo sapiens mais velho já encontrado na África e em qualquer outro lugar”, reforça. Dois artigos publicados na edição desta semana da revista Nature detalham o trabalho que pode mudar radicalmente a compreensão da evolução humana. Um deles é assinado por Jean-Jacques Hublin. O outro, por Shannon McPherron.
fosseis-homo-sapiens1
Reconstrução dos fósseis descobertos em Marrocos (Foto: Hublin/Ben-Ncer/Bailey/et al./Nature).

Essas escavações no noroeste de Marrocos começaram em 2004. A equipe trabalhou com fósseis de ao menos cinco indivíduos: três adultos, um adolescente e uma criança. Por uma tecnologia de datação por termoluminescência em pedras encontradas no sítio arqueológico, conseguiram chegar à idade dos ossos. A mesma técnica ajudou a recontar o tempo de existência de três mandíbulas também descobertas em Omo Kibish. Daniel Richter, especialista em datação do Instituto de Leipzig, concluiu que elas não tinham 160 mil anos, como apontado por ressonância paramagnética eletrônica, mas 300 mil.

Para os investigadores, a acentuada diferença de tempo e a grande distância entre os fósseis do Marrocos e da Etiópia lançam dúvidas sobre a teoria de que o homem atual é descendente de uma população localizada no leste da África. “Com certeza, antes de 300 mil anos, antes de Jebel Irhoud, houve uma dispersão de ancestrais de nossa espécie no conjunto do continente africano. O conjunto da África participou desse processo”, diz Jean-Jacques Hublin.

Ferramentas de pedras encontradas próximas aos fósseis também ajudam a reforçar a tese. Em vez de machados, comumente encontrados em sítios com vestígios do Homo sapiens, havia utensílios pontiagudos. Segundo o paleoantropólogo Shannon McPherron, eles foram feitos de sílex (variedade de quartzo) de alta qualidade. “Os artefatos de pedra de Jebel Irhoud parecem muito semelhantes aos encontrados no leste e no sul da África. É provável que as inovações tecnológicas da metade da Idade da Pedra estejam ligadas ao surgimento do Homo sapiens”, avalia o autor de um dos artigos.

Encontro possível

A possibilidade de ligar ferramentas da Idade da Pedra ao Homo sapiens sinaliza ainda uma coexistência de espécies. O Homo sapiens arcaico, o Homo erectus e o Neandertal podem ter coexistido não apenas em regiões distantes, mas também em zonas próximas. “Portanto, durante muito tempo, houve várias espécies de homens no mundo, que se cruzaram, coabitaram, trocaram genes”, explica o paleoantropólogo Antoine Balzeau, não participante do estudo, em entrevista à agência France-Presse. Hublin concorda. “Nos distanciamos cada vez mais dessa visão linear da evolução humana como uma sucessão de espécies.”

 6sYj4yyxCgs

Em um comentário publicado na revista Nature, os paleoantropólogos Chris Stringer e Julia Galway-Witham, do Museu de História Natural de Londres, no Reino Unido, ressaltam que análises de DNA indicam que a linhagem dos humanos modernos se diferenciou dos Neandertais e dos Denisovans, nossos parentes mais próximos, há cerca de 500 mil anos, bem antes dos fósseis encontrados no sítio arqueológico marroquino. “Isso pode significar que existiram membros mais recentes da linhagem Homo sapiens que tinham características preponderantemente arcaicas, em vez dos traços modernos. Até agora, tem sido difícil identificar esses fósseis.”

Para a dupla de especialistas, os fósseis anunciados nesta semana terão impacto marcante no estudo da espécie humana. “(A descoberta) poderá iluminar a evolução da nossa espécie de uma maneira equivalente à que o fóssil de Neandertal encontrado em Sima de los Uesos, na Espanha, fez com o nosso conhecimento sobre o desenvolvimento dos Neandertais”, comparam.

Abdelouahed Ben-Ncer, do Instituto Nacional de Arqueologia e Patrimônio do Marrocos e participante do estudo, também aposta no surgimento de novos olhares sobre a história humana. “A África do Norte tem sido negligenciada nos debates em torno da origem de nossa espécie. As espetaculares descobertas de Jebel Irhoud demonstram as estreitas conexões do Magrebe com o resto do continente africano no momento da emergência do Homo sapiens.”

Fonte

Comentários

Botão Voltar ao topo